Tradução como Xjul Xch’ulel


Todos os seres são dotados de potência. Aprender a nomear com palavras traz uma outra direção na existência. O coração irá se perder, desviar do rumo. Apagar-se por instantes, deixando-se para trás. Uma febre. Mas o coração sabe retornar ao seu prumo. A família é construção de pertencimento. O acúmulo de todas as memórias, a sobreposição dos gestos que moldam o coro coletivo. Todas as vidas merecem um caminho justo e begigno. Se não tiverem, seu coração irá chorar e tudo estará em desequilíbrio.

A maneira como Juan López Intzín desdobra a estruturação do Conhecimento e Epistemologia do Coração usando como método um gesto de tradução antenta e detalhada do vocabulário Maya tseltal, me chamou muito a atenção. Com o tecer do sentido das palvras para outra língua, os modos de vida dos homens e mulheres que vivenciam estas práticas de existir como parte do cosmos se desenham. Lembro da tarefa do tradutor, de Walter Benjamin e como o filósofo fala sobre a potência do movimento de manutenção e potência da vida, que toca não apenas as coisas do mundo orgânico, mas abarca tudo aquilo que possui história. Traduzir, portanto, implica em mergulhar na dinâ­mica histórica e particularidades de cada língua, que está viva, para, no atrito, “encontrar na língua para a qual se traduz a intenção, a partir da qual o eco do original é nela despertado” (Benjamin, 112).

Intíz constrói essa operação em sua escrita, traduzindo ao espanhol as palavras que animam as consciências do seu povo – em seguida, Margot Olavarria cria mais uma ponte, compondo os caminhos da versão em inglês. O autor nos conduz de volta àquele momento quando encaramos um mistério que não conhecemos, mas que aos poucos vai se revelando e criando sentido a partir do conhecimento da sua forma.

Apresentando este recorte de mundo a partir do fundamento da linguagem, é ensaiada uma (re)vivência do nosso Xjul Xch’ulel. Isto no possibilita entender a beleza de permanecer e buscar este estado de constante exercício de ver o mundo com olhos de principiante. Acredito que a apresentação da Epistemologia do Coração tem a produção de um efeito em quem recebe o texto que pode apontar alguns caminhos para o que poderia ser a vivência do “aprender a desaprender”(Mignolo, 485). É uma escrita que performa a decolonialidade no pensamento da leitora ou leitor, que mostra a distância, mas aponta o caminho.

Benjamin, Walter. "A Tarefa do Tradutor" Escritos sobre mito e linguagem. 101–119. São Paulo: Editora 34, 2013. López Intzín, Juan. "Sp'ijilal O'tan: Epistemologies of the Heart." 1 Jan 1970: Print.Mignolo, Walter D.. "Delinking: The rhetoric of modernity, the logic of coloniality and the grammar of de-coloniality." Cultural Studies 21. no. 2: 2007. Accessed 10 Oct 2018.