o meu avô


Na sua Pedagogia das Pedras, Jesusa Rodriguez nos conta como o nascimento é a materialização da energia vital que está dispersa e atuante no Universo. Ao nascermos, essa energia primordial se torna uma pequena faísca, que habita o nosso coração. Para nos reencontrarmos com a nossa vitalidade, é necessário travar a Xochi-Yolotl (flor-coração), a Guerra Florida. Outra tradução da palavra Yolotl é pedra. Rodriguez também aconselha que uma pessoa tenha, ao menos, três diferentes cosmogonias orientando sua prática de vida. Esta medida evita a adesão de uma subjetivação única e permite uma variação de modos de olhar para uma mesma coisa do mundo.

Adotar diversas cosmogonias para a prática do cotidiano, assim como entre múltiplas linguagens, é se colocar o tempo inteiro em estado de não certeza. O estado da mestiça apontado por Glória Anzaldua, uma constante “inquietude psíquica”. Nepantilismo mental que representa uma certa dose de trabalho na lida com o choque das diferenças, especialmente quando os elementos provenientes de cada uma das culturas são instrínsecamente contraditórios entre si.

O macho, em contrapartida, está fechado. É hermético, “who shuts himself away to protect himself…in his harsh solitude.” Quando Octavio Paz descreve o homem mexicano, é impossível para mim não lembrar diretamente do meu avô. Brasileiro, mestre de obras, olhos verdes sobre o nariz achatado de abas largas. Meu avô quando está triste olha e suspira, mas não fala. Mãos fortes segurando a furadeira e um silêncio perpétuo sobre os seus afetos. “Ser “macho” significava ser forte o bastante para proteger e sustentar minha mãe e nós, ainda sendo capaz de demonstrar amor.” “Nós” somos quatro mulheres, suas três filhas e eu, sua neta. Ele nos criou nas brechas de afeto dos seus silêncios, nos livros e doces que deixava na minha cama para que eles me despertassem nas manhãs dos domingos. Ele nos ensinou a consolidar formas de independência financeira, psíquica e emocional, porque, como macho, sabe muito bem que não podemos colocar nossos destinos nas mãos de um deles.

Meu avô representa então, neste contexto, uma pequena fresta a ser esgarçada na muralha da masculinidade heteronormativa. Há uma dureza, seguramente, quando imaginamos que ele não virá me visitar. Com tantas coisas a serem descobertas em seu território-Brasil, a ele pouco interessa o que se dá a ver na  branca “terra do americano.” Ele está fechado, oprimido pela responsabilidade tóxica, pela diminuição compulsória frente à branquitude, mas transmitiu para nós a experiência do paradoxo sentido no corpo. A busca pela faísca que mora na pedra. A mestiça tem nas mãos a chave para o futuro, pois pode desenvolver mecanismos de tradução e negociação dessa multiplicidade, colaborando com o enfraquecimentos dos paradigmas estáticos. O marimbondo pequenino colocou fogo no paiol, canta o ponto de Exu e a mestiça está no centro da encruzilhada, de braços abertos.

Paz, Octavio. El laberinto de la soledad. México City: Fondo de Cultura Económica, 1986. Print.Anzaldúa, Gloria. Boderlands: La Frontera. San Francisco: Aunt Lute Book Company, 1987. Print.