De Pedagogia, Opressão e Humanos


Como estabelecer uma forma de diálogo, ou educação, libertadora? Longe de uma certa tradição Ocidental que hierarquiza o Mestre e seus Discípulos, o detentor de conhecimento e aquele que seria o repositório desses saberes, à qual Paulo Freire nomeia pedagogia bancária (Freire, 1974). Essa parece uma das inúmeras questões que perpassam e ressoam em todos os textos, embora de maneiras e abordagens muito distintas. Creio que, quando lidos em conjunto, esses textos abrem novos diálogos entre si. Por exemplo, quando pensamos o relato de Ngũgĩ wa Thiong’o (1994) sobre a estratégia colonizadora de impor que a educação pedagógica do Quênia fosse completamente em inglês, desvalorizando as outras línguas nacionais e chegando a punir os estudantes que a usassem no seu dia a dia; podemos ver como o argumento central de Freire sobre a relação entre Opressor e Oprimido e sua pedagogia bancária também pode ser vista a partir de uma ótica decolonial.

Uma possível forma de romper com essa estrutura que aparece recorrentemente nos textos é a transformação dos oprimidos, ou dos colonizados, em Sujeitos, ou em atores se pensarmos a partir da instigante argumentação de Boal e sua Poética do Oprimido. “Transformar o povo, ‘espectador’, ser passivo no fenômeno teatral, em sujeito, em ator, em transformador da ação dramática (…) O espectador liberado, um homem íntegro, se lança a uma ação! Não importa que seja fictícia: importa que é uma ação” (Boal, 1991, p.138-139). O que o texto de Boal parece ressaltar é a importância da ação dos próprios corpos nessa educação, não vista mais a partir de um ensino calcado apenas na narrativa e na cultura letrada, mas como ação, que também pode ser manifesta a partir dos corpos e suas ações não-verbais.

Entretanto, será que a continuação na ideia do Homem e do Humanismo como uma forma de liberação também não carrega em si outros questionamentos? Se essa imagem do Homem-Sujeito-Ator parece percorrer todos os textos, pois constantemente os Oprimidos são colocados como aqueles que seriam desumanizados: transformam-se em coisas ou em animais perante o olhar dos Opressores; portanto parece natural que o caminho seria a retomada dessa Humanidade negada. Mesmo quando Aimé Césaire argutamente aponta como o Colonizador também se desumaniza pela constante violência propiciada pela Colonização (Césaire, 1994), há ainda um forte binarismo presente. Será que também não poderíamos pensar que a própria separação inicial entre Humano/Não-Humano é completamente calcada em ideais Ocidentais e hierarquizantes? Embora compreenda a necessidade estratégica de afirmarmos a importância dessa retomada da condição de alguém que pode agir, penso também na importância de nos voltarmos a essa própria recorrência sintomática dessa separação, que parece inaugurar uma violenta separação entre Nós e o Outro, aquilo a que podemos usar e explorar. Se pensarmos em práticas decoloniais como um gesto de tentar vermos como a episteme Ocidental e colonizadora é algo que nos envolve – asfixia? – quase que completamente, é crucial voltarmo-nos para esses conceitos que parecem tão naturalizados. O que sobra para aqueles que não querem ser ou não se veem como Homens?

Boal, Augusto. Teatro do Oprimido. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1991. Print.Freire, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Brazil: Editora Paz e Terra, 1974. Print.Thiong'o, Ngugi wa. "The Language of African Culture" Colonial Discourse and Post-Colonial Theory: A Reader. eds. Patrick Williams, and Laura Chrisman. 435-455. New York: Columbia University Press, 1994. Césaire, Aimé. "From Discourse on Colonialism" Colonial Discourse and Post-Colonial Theory: A Reader. eds. Patrick Williams, and Laura Chrisman. 172-180. New York: Columbia University Press, 1994.