Da possibilidade do fracasso


Em The New Education, Cathy Davidson foca sua atenção nos graves problemas ideológicos e estruturais do ensino superior estado-unidense.  Julgo que a minha condição de um estrangeiro que agora se vê dentro desse sistema, por vezes tão distinto do brasileiro, me permite tanto um maior distanciamento de alguns dos questionamentos levantados pela autora, como também me permite um lugar de constante descobertas, às quais texto aqui discutido contribuiu. Entretanto, também acho importante ressaltar que para além dessas particularidades nacionais, a urgência do texto parece ressoar de maneira muito mais ampla. Ao ver as notícias de que o governo da Hungria decidiu parar de financiar os cursos que discutem estudos de gênero, ou que o recém-eleito presidente do Brasil tem como pauta principal a ideia de “Escola sem Partidos”, creio que a educação assumiu um papel crucial nas discussões das consequências palpáveis desse novo “fortalecimento” da direita; e das possíveis formas de tentarmos reverte-lo ou reduzir seus danos.

Ao ver muitos dos comentários de colegas do curso que já estão mais integrados dentro desse sistema, percebo mais uma vez como alguns dos pontos discutidos no livro influencia diretamente a vida desses estudantes muito tempo após sua graduação. Aqui poderíamos pensar especialmente na questão da dívida universitária e como ela acaba adquirindo uma centralidade nas posteriores escolhas dos recém-formados. Importante notarmos, como ressaltado no livro a partir de um diálogo entre Davidson e um amigo médico, que essas decisões não afetam apenas o indivíduo, mas a sociedade: afinal, com uma dívida de $400.000, um médico recém-formado muito provavelmente se dedicará a algo que lhe possibilite um retorno financeiro imediato. Entretanto, creio também que poderíamos ir até mais além e discutirmos como esse modelo de débito também se inscreve de maneira mais ampla num sistema neoliberal centralizado no crédito e na relação credor/devedor, como suscitado através da imagem do homem-endividado nos textos de Mauricio Lazzarato. Assim, a primazia do débito e da dívida acabaria por também moldar novas subjetividades, de maneira muito mais insidiosa do que quando pensamos “apenas” no débito em si: mas há a criação de um discurso de uma produção 24/7 como forma de tentar negativar o “pecado original” da dívida. Será que já não se entraria na universidade como forma de cumprir essa demanda?

Entretanto, há também no texto de Davidson uma certa forma de encarar a educação que me parece bastante questionável ao focar-se tanto na ideia de “sucesso”. Talvez por minha aproximação de certos estudos da teoria queer que questionam a primazia da ideia de sucesso, penso especialmente no instigante livro The queer art of failure, de Jack Halberstam. Por vezes me perguntei se certos argumentos e metáforas da autora não estariam, eles mesmos, calcados numa certa mentalidade neoliberal que produz esses mesmos problemas que ela tenta sanar. Assim, afirmações como “It shifts the goal of college from fulfilling course and graduation requirements to learning for success in the world after college. It means testing learning in serious and thoughtful ways, so that students take charge of what and how they know, how they collaborate, how they respond to feedback, and how they grow. It teaches them how to understand and lead productively in the changing world in which they live.”; me parecem bastante reminiscentes da propria produção subjetiva neo-liberal do sujeito como “empresário de si”; que, por sua vez, também está ligada como, simultaneamente, causa e consequência do criticado sistema educacional. Aqui, o futuro brilhante é apenas para aqueles que querem o sucesso, os que desejam vencer na jornada metafórica de sua introdução. Será que não haveria aprendizado ou formas-de-vida no fracasso? Será que não podemos propor novas estratégias concretas para mudanças no nosso sistema educacional enquanto também problematizamos essa demanda pelo sucesso como única chave para pensarmos em seu êxito?